Um dia me chegou às mãos uma reportagem do dia 23 de novembro de 2001, onde o presidente Bush fazia um ultimato à população mundial: “ou estão do nosso lado ou do lado dos terroristas”. Me pareceu ainda mais urgente refletir sobre esta forma fundamentalista de ver o mundo como uma realidade bidimensional. Esta forma de ver que estabelece uma perspectiva parcial como a melhor, senão a única; que pretende encerrar o significado das coisas; que vê as versões como fatos, as partes como todo. Esta forma de ver que nos tenta com suas certezas, generalizações, explicações definitivas e fórmulas infalíveis.
Quando conhecí o trabalho da Tatiana Grinberg, achei que ele falava ao corpo/do corpo de forma aberta, ambígua e caminhava no sentido destas mesmas inquietações. Desta parceria e do encontro com os bailarinos nasceu este projeto, fruto de indagações sobre corpo e espaço como realidades que se constroem em relação.
Dani Lima
concepção e direção: Dani Lima
criação: Alex Cassal, Clarice Silva, Dani Lima,
Edney D’ Conti, Monica Burity, Rodrigo Maia,
Vinicius Salles, Vivian Miller e André Masseno
objetos: Tatiana Grinberg
assistente de direção: Alex Cassal
trilha sonora original: Felipe Rocha e Lucas Marcier
direção musical: Felipe Rocha
figurinos: Valéria Martins
iluminação: Paulo César Medeiros
consultoria dramatúrgica: Mônica Prinzac
Tatiana Grinberg
Falam as partes do todo? O todo não é nunca a soma das partes, é mais que isso. As partes podem ser tudo. A palavra e o corpo são sempre parte e são sempre o todo. Um torso de Apolo é uma parte ou é um todo? Como se passa do movimento para a dança? Onde termina o corpo e começa o espaço? A escultura e a dança inventam o corpo. A escultura e a dança inventam o espaço. Deslocar. Pesar. Atravessar. Separar. Juntar. Distanciar. Aproximar. Tocar. Andar. O espaço não está lá fora, diante de nós, ele não nasce como figura geométrica. Ele se desenha cotidianamente a partir do movimento do nosso corpo e da vivência de nossos gestos. Mais do que uma relação entre dança e escultura, o que vemos neste espetáculo é um deslocamento de linguagens, uma metamorfose do corpo em escultura e da escultura em fragmentos orgânicos. Não há uma coreografia e uma cenografia, há corpos, formas e espaços que se reinventam a cada movimento de quem dança e de quem vê e circula. As esculturas da Tatiana existem através da dança, assim como o desenho coreográfico da Dani se fragmenta e se desdobra através dos cortes e dos buracos das peças escultóricas.
Falam as partes do todo? Temos palavras para expressar o corpo? Podemos ver sem palavras? “Há coisas de sobra que não se dizem / há coisas que sobram no que se diz / nossa miséria é uma alegria de palavras?” Um olhar, um gesto, um sim, podem significar tudo e nada – a situação e o momento produzem a diferença.
Luiz Camillo Osório
Nenhum comentário:
Postar um comentário